Transições escolares/prontidão escolar: um resultado do desenvolvimento na primeira infância Perspective: Children’s Social and Scholastic Development: Findings from the Pathways Project


Arizona State University, EUA
(Inglês). Tradução: fevereiro 2012

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Introdução

O projeto Pathways (Trajetórias) é um estudo longitudinal em desenvolvimento, financiado pelos Institutos Nacionais de Saúde (National Institutes of Health), criado para ampliar nossos conhecimentos sobre os fatores relacionados a crianças, famílias, escolas e colegas que influenciam nos progressos e na adaptação da criança desde o início da pré-escolaa, aos 5 anos de idade. Também desperta grande interesse o efeito potencial que trajetórias – ou seja, pathways – estabelecidas nos primeiros anos de vida exercem sobre a adaptação psicológica, social e escolar da criança em sua progressão desde o ensino fundamental até o ensino superior. O Projeto teve início em 1992, e vem acompanhando as mesmas crianças e famílias há mais de dez anos. Reúne dados sobre a adaptação e os progressos da criança em cada ano escolar, e acompanha as crianças e suas famílias para onde quer que se mudem. Atualmente, as famílias e as crianças que participam desse projeto residem em 27 estados nos Estados Unidos.

Do que se trata

Embora o Projeto Pathways tenha muitos objetivos, um dos mais importantes (ver outros a seguir) é compreender melhor de que forma as características da criança, da família, de seus colegas e da escola afetam as atitudes que a criança desenvolve em relação à escola, bem como o nível de participação que busca em sala de aula – por exemplo, envolvimento em tarefas escolares e sociais; iniciativa em relação aos trabalhos escolares. As metas do projeto são consistentes com iniciativas reconhecidas nacionalmente nas áreas de prontidão escolar, educação preventiva e de avaliação dos progressos educacionais da criança. Os resultados preliminares do Projeto Pathways foram relatados em publicações científicas e em notícias da mídia nacional e internacional.

Problemas

Começamos por estudar o primeiro nível da escolarização, para compreender de que forma as crianças lidam com a transição para a pré-escola, e para identificar fatores que possam colocar as crianças no “caminho” do sucesso ou do fracasso na adaptação social, psicológica e escolar. Há interesse também em compreender de que forma o desenvolvimento inicial na formação escolar da criança molda seus progressos e sucessos nos anos subsequentes. Mais recentemente, começamos a analisar aspectos dos contextos da criança, da família, de seus colegas e da escola que possam auxiliar a criança durante a transição para o ciclo final do ensino fundamental e para o ensino médio. Ao longo de todo o projeto, o trabalho tem como orientação questões-chave tais como; “Podemos compreender o que capacita a criança a adaptar-se a novos desafios e a ter sucesso na vida escolar? Que fatores favorecem ou interferem no sucesso escolar da criança?” É nosso objetivo tratar essas questões com respostas que tragam benefícios a pais, professores e administradores de escolas.

Contexto de pesquisa

Os principais contextos de pesquisa são a escola, a família e os grupos de colegas da criança. Exploramos inúmeros fatores que podem afetar o sucesso escolar da criança ao longo de sua vida, incluindo atributos da criança, da família, do grupo de colegas, da sala de aula e da escola. Acreditamos que cada criança possui muitos atributos que “leva consigo” para a escola, entre os quais gênero, idade, aptidão, linguagem e experiências anteriores. Esses atributos podem afetar a forma como a criança aborda seus colegas, seus professores e o ambiente escolar. Entre esses atributos estão incluídas a predisposição de ânimo específica da criança e as suas habilidades sociais que se manifestam frequentemente como qualidades – tais como independência ou autonomia, curiosidade, agressividade, amabilidade e outras formas de comportamento pró-social. Consideramos também que cada reação da criança à escola é afetada pelo tipo de apoio que recebe da família, de seus colegas, dos professores e de outras pessoas. E reconhecemos que as crianças têm necessidades instrucionais variadas, e que sua capacidade para aproveitar a escola depende dos tipos de contexto instrucional que encontram quando fazem a transição de casa para a escola, e de um ano escolar para outro. Todos esses fatores e contextos interessam ao Projeto Pathways e são analisados anualmente.

Questões-chave de pesquisa

Embora muitas áreas do desenvolvimento infantil sejam avaliadas, uma das premissas que adotamos como diretriz consiste no fato de que a adaptação à escola não depende apenas de preditores “óbvios” ou “conhecidos” – tais como aptidão intelectual, habilidades de linguagem, background familiar da criança, entre outros. Embora esses fatores sejam importantes, entendemos que, principalmente entre as crianças menores, não fornecem informações completas sobre que variáveis sociais influenciam no ajustamento social, psicológico e acadêmico saudável da criança no contexto escolar. Por exemplo, acreditamos que há encadeamentos ou sequências complexas de fatores que afetam o desempenho escolar da criança. Em primeiro lugar, o modo de agir da criança em relação a seus colegas e a forma como é tratada por eles podem ter um peso importante nos relacionamentos que estabelece em sala de aula. Comportamentos como trabalhar ou brincar com colegas de forma ativa ou passiva, cooperativa ou questionadora, prestativa ou exigente podem ter consequências importantes para os relacionamentos da criança com seus colegas e professores. Em segundo lugar, uma vez criados os relacionamentos com professores e colegas, a qualidade dessas relações pode afetar o grau de envolvimento e de participação da criança no ambiente escolar. Por fim, acreditamos que a participação em sala de aula e atitudes positivas em relação à escola são preditores iniciais importantes de sucesso escolar – crianças que gostam da escola e participam mais ativamente nas atividades de sala de aula obtêm melhores resultados acadêmicos do que crianças que não gostam da escola e que apresentam baixos níveis de participação. Nossa definição de sucesso escolar é muito direta, e engloba diversos aspectos da adaptação da criança à escola. Uma criança pode ser considerada bem-sucedida na escola quando: (a) desenvolve atitudes e sentimentos positivos em relação à escola e à aprendizagem; (b) estabelece vínculos sociais de apoio com professores e colegas; (c) sente-se confortável e relativamente feliz em sala de aula, e não ansiosa, solitária ou incomodada; (d) está interessada e motivada para aprender e tomar parte nas atividades de sala de aula (participação, envolvimento); e (e) apresenta bom desempenho escolar e progride a cada ano letivo.

Resultados de pesquisas recentes

Apresentamos a seguir um resumo das cinco premissas adotadas como diretrizes e constatações associadas ao projeto:

Premissa 1. As predisposições de comportamento iniciais manifestadas pela criança na escola antecedem sua adaptação psicológica e escolar nesse contexto. Embora agressão e ansiedade-retraimento sejam fatores “conhecidos” de risco de disfunção,1,2 os mesmos não foram investigados de forma prospectiva em contextos escolares da primeira infância até a adolescência, ou diferenciados como antecedentes de adaptação psicológica e escolar da criança. Assim sendo, um objetivo permanente tem sido analisar a presença, os acontecimentos simultâneos e a estabilidade dessas predisposições, e os vínculos entre essas tendências e a adaptação da criança.

Constatações relevantes. As constatações do Projeto Pathways mostram que a predisposição para agressividade manteve-se moderadamente estável da educação infantil até a sexta série do ensino fundamental – por exemplo, 0,56 –, ao passo que o comportamento de ansiedade-retraimento somente se estabilizou na segunda série – por exemplo, 0,36 – e na terceira série – 0,51.3,4 As porcentagens de crianças em uma amostra de uma comunidade (n = 2775) que poderiam ser classificadas em grupos de risco diferenciados foram: agressivas, 15%; ansiosas-retraídas, 12%; e agressivas-retraídas (comorbidade),  8,5%.5 Análises preditivas revelaram que crianças agressivas que ultrapassavam o critério de risco na educação infantil mostraram aumentos no desajustamento psicológico e escolar dois anos mais tarde.6 Predisposições para ansiedade-retraimento são preditores de aumentos precoces e posteriores na internalização de problemas.5 De um modo geral, as constatações corroboram a premissa de que agressividade e ansiedade-retraimento são riscos de desajustamento posterior.

Premissa 2. A natureza dos relacionamentos que a criança estabelece com seus colegas de turma antecede sua adaptação psicológica/escolar. Poucos pesquisadores analisaram o significado adaptativo das múltiplas formas de relacionamento que a criança estabelece simultaneamente em sala de aula. Esta premissa foi analisada por meio da investigação da estabilidade dos relacionamentos da criança em sala de aula, assim como dos vínculos simultâneos e longitudinais com a adaptação psicológica e escolar, e o grau em que os diferentes relacionamentos foram preditivos – de maneira diferenciada ou contingente – de formas específicas de ajustamento. Com exceção da vitimização, os tipos de relacionamento que a criança estabelece na educação infantil mantiveram-se moderadamente estáveis até a sexta série do ensino fundamental – por exemplo, aceitação de colegas, 0,47; rejeição pelos colegas, 0,37; amizade mútua, 0,30).4,6-8 Da educação infantil até a primeira série do ensino fundamental, a rejeição por parte dos colegas é um preditor de baixo nível de ajustamento psicológico e escolar, ao passo que a aceitação e a amizade dos colegas são preditores de melhor ajustamento nas duas áreas.5 A premissa de que os relacionamentos contribuem de forma diferente para a adaptação foi analisada por meio de pesquisas sobre os vínculos entre a participação em diferentes tipos de relacionamento com colegas e mudanças na forma de adaptação da criança.9 A vitimização, por exemplo, mais do que outros relacionamentos, foi um preditor de reduções no ajustamento emocional, não previsíveis a partir de outras formas de relacionamento. A aceitação pelos colegas foi associada exclusivamente à maior participação e melhor desempenho educacional da criança. Em termos gerais, os resultados corroboraram a inferência de que as diversas experiências que as crianças enfrentam no relacionamento com seus colegas afetam sua adaptação à escola, e que determinados relacionamentos têm maior significado adaptativo, dependendo do tipo de inserção escolar analisado.

Premissa 3. Há associações previsíveis entre predisposição comportamental e os tipos de relacionamento que a criança estabelece em sala de aula. Para analisar esta premissa, observamos o comportamento das crianças em relação a colegas que não conhecem assim que ingressam no sistema educacional, e avaliamos esses novos relacionamentos ao longo de um período de dois a cinco anos. A hipótese é que a predisposição à agressividade levaria à formação de relacionamentos adversos, à predisposição ao isolamento em função de ansiedade e retraimento, e à predisposição pró-social a relacionamentos positivos. Os resultados desde a etapa da pré-escola até a segunda e a quinta séries do ensino fundamental6,7,10 mostraram que, em comparação com grupos de controle normativo, crianças com predisposição à agressividade eram mais propensas a desenvolver rejeição precoce e sustentada por parte dos colegas, ao passo que aquelas com predisposição à ansiedade e retraimento tendiam a permanecer sozinhas. A análise da curva de crescimento da pré-escola à quarta série do ensino fundamental mostrou que, com o tempo, crianças ansiosas-retraídas foram progressivamente excluídas das atividades em parceria com seus colegas.5 Essas constatações corroboraram a premissa de que a predisposição à agressividade e ao retraimento antecede o surgimento e a permanência de dificuldades de relacionamento da criança. Como previsto, a predisposição pró-social antecede trajetórias de relacionamentos positivos.

Premissa 4. As contribuições dos relacionamentos das crianças em sala de aula para a sua adaptação psicológica e escolar não são totalmente redundantes (por exemplo, “marcadores”) em relação àqueles que podem ser atribuídos a predisposições comportamentais. Há duas leituras possíveis e bastante diferentes das premissas 1 e 2 – ou seja, a disfunção posterior pode ser atribuída tanto a predisposições comportamentais “de risco” como à participação em relacionamentos “de risco”. Durante décadas, muitos estudiosos consideraram o poder explanatório de uma dessas duas perspectivas de “efeitos principais” como dominante em relação à outra.11 Um objetivo deste projeto é ir além das perspectivas dos “efeitos principais”, ao utilizar um modelo “criança por ambiente” no qual os fatores de risco/proteção são considerados como provenientes da criança e do ambiente de relacionamento.

Em dois estudos longitudinais prospectivos3 que utilizaram amostras da pré-escola, constatamos que crianças cujas interações eram mais pró-sociais durante as primeiras dez semanas de frequência à pré-escola tendiam a ter amigos e níveis mais altos de aceitação por seus colegas por volta da 14a semana. Por outro lado, crianças cujas interações foram caracterizadas por comportamento agressivo mostraram-se menos populares e fizeram poucas amizades. Foram identificadas ligações diretas entre os relacionamentos em sala de aula e a participação das crianças, sendo que a ligação mais forte resultava de características de relacionamento negativo – ou seja, rejeição por parte dos colegas. Essa constatação apoia a hipótese de que tais características impedem a participação adaptativa e o sucesso escolar subsequentes. Aparentemente, a utilização da força ou de táticas coercivas pela criança pequena tenderia a subverter outros objetivos e interesses, provocando o desenvolvimento de reações adversas por parte dos colegas – por exemplo, rejeição. Uma vez estabelecido, o relacionamento adverso aparentemente impede a participação em sala de aula e o sucesso escolar da criança.

Outras análises foram realizadas para explicar as possíveis funções do relacionamento em sala de aula para crianças agressivas. Os principais objetivos foram determinar se a participação da criança agressiva em tipos diferentes de relacionamentos em sala de aula pode aumentar ou reduzir – ou seja, exacerbar ou compensar – sua probabilidade de desenvolver disfunções psicológicas e escolares. Um exemplo dessa linha de trabalho é um estudo longitudinal prospectivo no qual são avaliadas não apenas as predisposições agressivas da criança, mas também os riscos de relacionamento – ou seja, rejeição por parte dos colegas, vitimização – e características protetoras – ou seja, aceitação pelos colegas de sala de aula, amizades – ao longo de um período de dois anos.6 Crianças que manifestam altos níveis de agressividade ao ingressarem na educação infantil evidenciam aumentos significativos de desajustamento nos anos escolares posteriores em relação a quase todos os índices de desempenho psicológico e escolar analisados. Além disso, foi confirmada a premissa de que relacionamentos positivos diminuem o nível de desajustamento psicológico e escolar da criança. Após considerar o status de risco de agressividade inicial da criança, a aceitação inicial pelos colegas foi preditiva de reduções relativas em problemas de atenção e má conduta, e de ganhos relativos em participação cooperativa e gosto pela escola. Essas evidências sugerem que a aceitação por parte dos colegas de classe dá às crianças um sentido de pertencimento e inclusão nas atividades, o que reduz a probabilidade de adotar padrões de comportamento reativo, de desenvolver atitudes negativas em relação à escola e de abstrair-se das tarefas escolares.

Premissa 5. Além dos riscos de comportamento, a exposição crônica e não transitória a adversidades de relacionamento – por exemplo, rejeição pelos colegas, vitimização –, à ausência de relacionamentos – por exemplo, isolamento – ou a relacionamentos vantajosos – por exemplo, aceitação pelo grupo de colegas – têm maiores consequências para a adaptação psicológica e escolar da criança. Poucos pesquisadores analisaram se o desempenho futuro da criança varia em função da participação sustentada versus participação transitória nos relacionamentos com colegas, e nenhum deles analisou se um histórico de dificuldades de relacionamento com colegas influencia o ajustamento para além das tensões imediatas dos relacionamentos atuais com os colegas. Para abordar essas limitações, analisamos de que forma relacionamentos adversos duradouros – rejeição crônica, vitimização – e/ou vantagens – por exemplo, aceitação estável pelos colegas, amizade – interagem com a predisposição da criança à agressividade, influenciando seu processo de adaptação.6 Análises orientadas por variáveis produziram resultados consistentes com um modelo adicional de “criança por ambiente”: com poucas exceções, a participação em relacionamentos com colegas prognosticou um processo de adaptação que superou o status de risco de agressividade da criança. Algumas evidências apoiam um modelo moderado de “criança por ambiente”, no qual o relacionamento adverso ou vantajoso parece exacerbar ou compensar disfunções associadas com a predisposição à agressividade. Além disso, em comparação com o início precoce, a cronicidade do status de risco de agressividade infantil e o histórico de exposição a fatores de estresse ou de apoio relacionais apontaram para uma maior associação às mudanças no desajustamento. Análises centradas no indivíduo, comparando crianças que apresentaram comportamento agressivo, mas que tinham históricos diferentes de risco/apoio relacional (grupo ARR: maior proporção de fatores de estresse relacional do que de apoio; grupo ARS: maior proporção de fatores de apoio do que de estresse) e crianças que não se encontravam em risco (grupo RF: sem risco) revelaram que apenas o grupo ARR mostrou um aumento significativo de trajetórias de desajuste psicológico e escolar nas séries iniciais do ensino fundamental. 

A constatação mais surpreendente foram os resultados das crianças do grupo ARS, que mostraram reduções significativas de desajuste ao longo do mesmo período. Essas constatações corroboram a inferência de que um risco comportamental poderoso (agressividade) pode ser exacerbado por riscos relacionais crônicos, mas pode ser atenuado por apoio relacional estável, o que demonstra a importância de pesquisas sobre o histórico de relacionamentos da criança. 

Por fim, Ladd e Troop10 analisaram as contribuições de predisposições a comportamentos agressivos e ansiosos e históricos de adversidades e privação de relacionamentos com colegas desde o início da pré-escola até a média infância (quarta série). Estimativas realizadas por meio de MEE (Modelos de Equações Estruturais) dos modelos pressupostos e alternativos revelaram que a ausência crônica de amigos, a rejeição e a vitimização estavam associadas de forma positiva e direta a diversas formas posteriores de desajustamentos. Uma vez que essas trajetórias foram controladas para predisposições comportamentais da criança e relacionamentos simultâneos com os colegas, esses resultados constituem um teste ainda mais preciso para modelos de adversidades relacionais crônicas.12,13

Conclusões

As constatações corroboram múltiplas posições teóricas. Em primeiro lugar, o vínculo direto entre predisposições comportamentais iniciais e desajustes posteriores é consistente com os modelos de “efeitos infantis”, nos quais está baseada a argumentação de que predisposições que surgem precocemente contribuem diretamente para desajustamentos posteriores. Em segundo lugar, o princípio de perspectivas ambientais é justificado por evidências que indicam que as experiências da criança em relacionamentos crônicos com os colegas, e não apenas sua predisposição, estão diretamente associadas a desajustamento posterior. No entanto, em contraste com esses “efeitos principais”, é possível argumentar que nossas constatações adaptam-se melhor ao modelo “criança por ambiente”. Ficou comprovado que diferenças nos relacionamentos com colegas e, principalmente, no histórico da criança em relação à adversidade de relacionamentos, ausência de relacionamentos ou relacionamentos vantajosos – elementos de seu ambiente de formação – podem: (a) contribuir para prever desajustamentos além daqueles previstos por predisposições comportamentais; e (b) em diversos casos, mediar o vínculo entre predisposições e desajustamentos posteriores.

Novas inferências confirmadas pelas constatações do Projeto

  • Predisposições comportamentais iniciais antecedem o processo de adaptação da criança. Essas mesmas predisposições comportamentais são precursoras da ecologia relacional – ou seja, forma/natureza dos relacionamentos – que a criança desenvolve no ensino fundamental.
  • Embora as predisposições da criança e os relacionamentos com colegas sejam antecedentes significativos de adaptação futura, o poder preditivo de qualquer fator isoladamente é menor do que suas contribuições aditivas ou contingentes.
  • Adversidades de relacionamentos duradouras (por exemplo, rejeição por parte de colegas), privação de relacionamentos (por exemplo, ausência de amigos) ou relacionamentos vantajosos (por exemplo, aceitação pelos colegas) estão mais estreitamente associados com trajetórias do processo de adaptação da criança do que experiências mais transitórias ou proximais nas mesmas áreas de relacionamento.
  • Predisposições comportamentais de risco podem ser exacerbadas por adversidades de relacionamento duradouras (por exemplo, vitimização crônica), e atenuadas por relacionamentos vantajosos estáveis (por exemplo, aceitação estável pelo grupo de colegas).

Implicações para políticas educacionais e serviços

Aplicações: implicações das constatações do Projeto Pathways para educadores e escolas

Esperamos que as constatações do Projeto Pathways permitam que as famílias e as escolas antecipem as necessidades no momento em que a criança ingressar no ensino fundamental e ao longo desse ciclo e do ensino médio. Nesse caso, estaremos em posição mais favorável para oferecer às crianças um bom começo rumo a uma educação de qualidade, e para capacitar um número maior de crianças a obter o máximo dos benefícios oriundos de suas experiências escolares.

As implicações aqui consideradas estão baseadas em constatações relativas ao período que vai da pré-escola às primeiras séries de escolarização. Outros resultados que se aplicam a níveis educacionais posteriores e relativos a períodos mais longos de escolarização estarão disponíveis em um futuro próximo.

De que forma podemos situar a criança em trajetórias que a conduzam ao sucesso (e não ao fracasso), em direção à competência social, psicológica e escolar?

As constatações do Projeto Pathways sugerem que pode haver inúmeras maneiras pelas quais pais, professores e administradores escolares ajudem a criança a encontrar trajetórias de sucesso rumo a ambientes de saúde e bem-estar durante os anos de escolarização. As recomendações de serviços e de políticas educacionais apresentadas a seguir são consistentes com as evidências obtidas pelo Projeto Pathway:

  • Aumentar a probabilidade de a criança criar sentimentos/atitudes positivas em relação à escola quando ingressam na pré-escola. Em nossas amostras, 25% a 35% das crianças apresentavam atitudes contraditórias ou negativas em relação à escola no segundo mês de frequência à pré-escola. Além disso, uma vez que a criança tenha formado uma impressão negativa da escola, suas atitudes frequentemente tornam-se substancialmente mais negativas à medida que progridem de uma série escolar para outra. Portanto, antes que a criança ingresse no ensino fundamental, um objetivo-chave é estabelecer uma linha de comunicação com famílias e professores de educação infantil que permita que a criança desenvolva expectativas realistas sobre: (a) o objetivo do ensino fundamental; e (b) o que será solicitada a fazer na pré-escola/na primeira série, incluindo tarefas sociais e escolares – por exemplo, fazer amigos, estabelecer um relacionamento com o professor, participar ativamente em atividades de aprendizagem na sala de aula.
  • Quando a criança ingressa na pré-escola, os membros da família e a equipe da escola devem prestar atenção aos sentimentos da criança em relação à escola, e à qualidade das relações que estabelece com colegas e professores– e, se necessário, tentar aprimorar esses sentimentos. Nosso trabalho sugere que, em meio a crianças pequenas, grande parte da “cola” que ajuda a criança a identificar-se com o ambiente escolar, ou tornar-se parte dele, tem natureza social, e não escolar. A esse respeito, há um “ciclo” básico ou uma sequência de eventos que surgem dessas constatações: (1) quando as crianças ingressam na pré-escola, aquelas que agem de forma cooperativa em relação às demais e que controlam atitudes agressivas/antissociais desenvolvem relacionamentos sociais mais aprovativos em sala de aula com seus colegas e professores; (2) crianças que realmente desenvolvem vínculos seguros e aprobativos tornam-se mais interessadas e envolvidas em atividades de aprendizagem, e são mais capazes de lidar com desafios em sala de aula; (3) aparentemente, o envolvimento que surge dos relacionamentos aprobativos com colegas e professores promove níveis mais altos de aprendizagem e se traduzem em maiores ganhos em termos de sucesso no desempenho escolar ao longo do ano letivo. Para ajudar a criança a obter benefícios desse ciclo, seria conveniente criar atividades de construção de relacionamentos logo no início do ano escolar, que seriam elaboradas para: (a) ajudar a criança a adquirir habilidades pró-sociais e a controlar comportamentos agressivos/antissociais; (b) estimular cada criança a ter, no mínimo, um amigo em sua sala de aula; e (c) estabelecer interações aprobativas com o professor.
  • Matricular crianças em programas de educação para a primeira infância que as ajudem a se desenvolver socialmente e a estabelecer relacionamentos antes de ingressar no ensino fundamental. Crianças que já têm habilidades para fazer amigos e comportamentos cooperativos têm melhores chances de construir relacionamentos aprobativos no contexto escolar que possam ajudá-las a ter sucesso na pré-escola e no ciclo inicial do ensino fundamental.
  • Tão logo ingresse na educação infantil, a criança deve ser estimulada a desempenhar um papel ativo e cooperativo nas atividades de sala de aula. Nosso estudo sugere que crianças pequenas devem ter uma conduta de envolvimento com o ambiente de aprendizagem, para que possam obter os benefícios que esse ambiente oferece. Crianças que evitam os desafios sociais ou escolares que surgem nas primeiras séries de escolarização (“afastando-se deles”) ou que resistem (opõem-se) a eles parecem ser mais propensas à falta de participação e ao fracasso escolar. A cooperação ativa nas atividades de sala de aula – por exemplo, envolvendo-se, mostrando iniciativa – e cooperação/conformidade com a cultura da sala de aula – ou seja, aderindo às regras sociais e às expectativas dos papéis desempenhados em sala de aula – são fortes preditores de sucesso escolar desde o início. 
  • Criar programas ou atividades para “prevenir” a exposição da criança a fatores importantes de estresse, tais como sala de aula em que não seja permitida a prática de bullying, e atividades em grupo nas quais não seja permitido assediar ou rejeitar colegas. Programas desse tipo são amplamente recomendados, uma vez que tais experiências parecem ter efeitos sociais e psicológicos negativos e duradouros sobre as crianças, e muitas vezes as indispõem em relação à escolarização – por exemplo, podem levar a atitudes negativas em relação à escola, aumentar o número de faltas, limitar os ganhos no desempenho escolar. Nos últimos anos, inúmeros programas foram elaborados para abordar esses problemas nas escolas – por exemplo, os programas S.A.F.E. (A SALVO) e Don’t suffer in silence (Não sofra em silêncio); a criação de escolas que não admitem bullying; métodos de formação para ajudar a criança a desenvolver habilidades sociais; atividades cooperativas em grupo, para promover tolerância e aceitação dos colegas; e práticas como “Você não pode dizer que não pode brincar.”

Références

  1. Cairns RB, Cairns BD. Lifelines and risks: Pathways of youth in our time. Cambridge; New York: Cambridge University Press; 1994.
  2. Harrist AW, Zaia AF, Bates JE, Dodge KA, Pettit GS. Subtypes of social withdrawal in early childhood: Sociometric status and social-cognitive differences across four years. Child Development 1997:68(2);278-294.
  3. Ladd GW, Birch SH, Buhs E. Children’s social and scholastic lives in kindergarten: Related spheres of influence? Child Development 1999:70(6);1373-1400.
  4. Ladd GW. Probing the adaptive significance of children’s behavior and relationships in the school context: A child by environment perspective. Advances in Child Development and Behavior. In press.
  5. Gazelle H, Ladd GW. Anxious solitude and peer exclusion: A diathesis-stress model of internalizing trajectories in childhood. Child Development 2003:74(1);257-278.
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  9. Ladd GW, Kochenderfer BJ, Coleman CC. Classroom peer acceptance, friendship, and victimization: Distinct relational systems that contribute uniquely to children’s school adjustment? Child Development 1997:68(6);1181-1197.
  10. Ladd GW, Troop WP. The role of chronic peer difficulties in the development of children's psychological adjustment problems. Child Development. In press.
  11. Parker JG, Rubin KH, Price JM, DeRosier M. Peer relationships, child development, and adjustment: A developmental psychopathology perspective. In: Cicchetti D, Cohen D, eds. Developmental psychopathology: Vol. 2. Risk, disorder and adaptation. New York: John Wiley & Sons; 1995:96-161.
  12. Dohrenwend BP, Dohrenwend BS. Socioenvironmental factors, stress, and psychopathology. American Journal of Community Psychology 1981:9(2);128-164.
  13. Johnson JH. Life events as stressors in childhood and adolescence. Newbury Park, CA: Sage; 1988

Nota:

aNT: A organização dos programas que precedem o ensino fundamental varia nos diferentes países. No Brasil, é regida pela LDBEN, que determina que a educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até 5 anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. É oferecida em duas modalidades:

1) creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até 3 anos de idade;

2) pré-escolas, para crianças de 4 e 5 anos de idade.

Devido à discrepância entre as faixas etárias, e para facilitar a compreensão, neste artigo faremos referência a programas de educação infantil, ou programas para a primeira infância. Programas de “jardim de infância” correspondem à modalidade “pré-escola”.

Fontes: www.primeirainfancia.org.brLei 9394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN)

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm

Para citar este artigo:

Ladd GW. Transições escolares/prontidão escolar: um resultado do desenvolvimento na primeira infância Perspective: Children’s Social and Scholastic Development: Findings from the Pathways Project. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/transicao-escolar/segundo-especialistas/transicoes-escolaresprontidao-escolar-um-resultado-do. Publicado: Junho 2003 (Inglês). Consultado em 16 de abril de 2024.

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