Comentários sobre Pellegrini e Smith e Hirsh-Pasek e Golinkoff


Centre for Research in Human Development, Concordia University, Canadá 
(Inglês). Tradução: fevereiro 2013

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Introdução

Comentários sobre: "Aprender por meio da brincadeira" (Smith e Pellegrini) e "Por que brincar = aprender" (Hirsh-Pasek e Golinkoff) 

Introdução 

Os artigos de Smith e Pellegrini e de Hirsh-Pasek e Golinkoff oferecem uma atualização e uma visão informativa da aprendizagem por intermédio do brincar. Como Piaget afirmou, “brincar é o trabalho da infância,” 2 uma visão normalmente compartilhada entre pesquisadores e profissionais que trabalham com crianças pequenas. Tendo em vista o debate de longa data sobre currículos adequados para a educação na primeira infância – ou seja, entre aqueles que defendem uma abordagem construtivista centrada na criança, como a National Association for the Education of Young Children (NAEYC) ou aqueles que preferem uma abordagem baseada nas habilidades, mais tradicional –, são oportunas tais discussões sobre o papel do brincar. 

Pesquisa e Conclusões

Os dois artigos são complementares e fornecem ao leitor uma base sólida para explorar esse tema com mais acuidade. Os dois trabalhos fornecem definições sobre o brincar que se sobrepõem um pouco, mas que também dão ao leitor uma ideia da complexidade de definir o brincar. Smith e Pellegrini distinguem o brincar da exploração, do trabalho e dos jogos, o que é importante. Hirsh-Pasek e Golinkoff incluem uma definição do brincar que é amplamente aceita por pesquisadores das áreas de psicologia e da educação, assim como por planejadores de currículos. Além disso, esses autores mencionam o interesse de longa data nas brincadeiras infantis, retrocedendo até o tempo de Platão, que sugere que o papel do brincar na vida da criança encerra um interesse histórico e ainda precisa ser claramente compreendido. 

Os dois artigos tratam dos diferentes tipos do brincar, o que fornece evidências adicionais sobre a complexidade inerente ao entendimento deste comportamento. Smith e Pellegrini analisam cinco tipos de brincar (locomotor, social, com objeto, linguagem e simulado), enquanto Hirsh-Pasek e Golinkoff focalizam quatro tipos de brincar – com objeto, simulado, físico/turbulento, e direcionado. Embora haja alguma sobreposição – isto é, simulado, locomotor/físico –, uma análise cuidadosa das duas listas levanta algumas questões. Por exemplo, as descrições sobre o brincar linguístico e do jogo de simulação fornecidas por Smith e Pellegrini têm alguma sobreposição e levantam a questão sobre a forma utilizada por um pesquisador para distinguir entre os dois tipos de brincar. Por que Hirsh-Pasek e Golinkoff omitem o brincar social? Aparentemente, essa forma de brincar é importantíssima para a vida de crianças pequenas, uma vez que passam do brincar solitário para a colaboração com grupos de colegas.  

No século 20, dois importantes tipos do brincar foram identificados, uma concepção que norteou grande parte das pesquisas: o brincar social1 e o brincar cognitivo.2,3 Sob meu ponto de vista, essas categorias amplas são úteis na classificação de alguns dos tipos de brincar identificados nos dois trabalhos, embora provavelmente seja benéfico incluir outras categorias, como alguns comportamentos que não se encaixam perfeitamente no brincar social nem no brincar cognitivo. Em particular, os tipos mais físicos do brincar podem exigir uma categoria própria. Além disso, o trabalho de Rubin4,5 oferece uma estrutura ou rubrica útil para considerar a sobreposição entre os diferentes tipos de brincar. Por exemplo, crianças podem ser envolvidas em simulações solitárias ou em grupo. Essa rubrica é útil para definir operacionalmente os níveis do brincar social (por exemplo, solitário, paralelo, em grupo) com tipos de brincar cognitivo (por exemplo, sensório-motor, simulação, construtivista, jogos com regras), incluídos sob o nível do brincar social.  

A categoria brincar dirigido de Hirsh-Pasek e Golinkoff é realmente uma brincadeira? Sua definição é bastante vaga e, até certo ponto, parece contradizer a definição do brincar que utilizam. Em particular, o brincar dirigido realmente atende aos critérios de espontaneidade e de não possuir objetivos extrínsecos. Parece improvável que adultos se envolvam em brincadeiras infantis sem algum tipo de objetivo extrínseco. Portanto, não creio que essa categoria se encaixe na definição de brincar. Em essência, brincar é um comportamento que envolve a criança – com outras ou sozinha, às vezes, com ou sem objetos – e, certamente, há um papel para os adultos na orientação do comportamento em relação a uma compreensão mais profunda de vários conceitos ou de diversas habilidades, o que não é qualificado como brincadeira infantil.  

Hirsh-Pasek e Golinkoff argumentam com veemência que brincar = aprender. Seus argumentos espelham a defesa apaixonada da opinião de que o brincar tem um papel crucial no desenvolvimento da primeira infância porque constitui “a forma de aprender utilizada pelas crianças.” Smith e Pellegrini são mais cautelosos em suas interpretações da pesquisa, associando o brincar da criança com a aprendizagem, e acreditam que as evidências sobre o “papel essencial do brincar” na aprendizagem são exageradas. Minha leitura da literatura relativa sugere que a abordagem mais cautelosa é, provavelmente, justificada. De fato, evidências sobre as relações entre o brincar e a aprendizagem baseiam-se principalmente em estudos correlacionais que, embora intrigantes, não fornecem evidências diretas necessárias para apoiar uma relação de causa e efeito que Hirsh-Pasek e Golinkoff defendem em seu trabalho. Ademais, houve pouco trabalho para delinear os processos do brincar que podem ser evidências ou indicadores críticos da aprendizagem da criança. Além disso, todos os autores concordam que há diferentes tipos de brincar e que, portanto, não está claro se determinados tipos de brincar – os processos inerentes a esses tipos – são fatores de promoção da aprendizagem da criança em diferentes áreas do desenvolvimento. No entanto, como descrito abaixo, há muitas razões excelentes para investigar as associações entre o brincar e a aprendizagem, que sugerem que os pesquisadores devem renovar seus esforços para pesquisar essa área do comportamento infantil.  

Implicações para desenvolvimento e políticas

Hirsh-Pasek e Golinkoff defendem diretamente a realização de novas pesquisas que comparem experiências e resultados sociais e acadêmicos de crianças matriculadas em programas de primeira infância baseados no brincar versus programas mais acadêmicos. Tais pesquisas têm implicações políticas diretas para os tipos de experiências educacionais na primeira infância disponíveis para crianças pequenas e que devem servir de base para estabelecer diretrizes ou regulamentos nacionais, estaduais e provinciais em relação ao currículo de programas de educação infantil. A lista dos cinco Cs de Hirsh-Pasek e Golinkoff é uma receita valiosa de habilidades para a vida, a saber: colaboração, conteúdo, comunicação, criatividade e confiança.  

Smith e Pellegrini abordam questões aplicadas ao brincar, especificamente o papel do adulto na estruturação do contexto para fornecer materiais estimulantes e oportunidades para brincar. Os autores recomendam o brincar estruturado, que parece equiparado ao brincar mais estruturado, e que se assemelha à noção do brincar dirigido de Hirsh-Pasek e Golinkoff. Em contrapartida, mencionam brevemente a ideia do brincar livre. Em um contexto realmente enriquecido e estimulante, criado para e com a criança, o brincar livre significa mais oportunidades para a criança orientar e dirigir sua própria brincadeira e, presumivelmente, sua própria aprendizagem. A tendência para incluir muitas atividades estruturadas e lideradas por adultos tem destruído o propósito do brincar livre. Até certo ponto, essas atividades estruturadas significam que os professores não confiam na criança para orientar sua própria brincadeira e aprendizagem. Embora haja certamente espaço para algumas atividades estruturadas em sala de aula e para o apoio e a orientação dos professores, não devemos perder de vista o significado e a importância do brincar livre para a criança.  

Sociedades industrializadas têm atitudes ambivalentes sobre o brincar e o trabalhar nos primeiros anos de vida. Entendemos que há pais cujo excesso de supervisão os faz viver em função de seus filhos, preenchendo a vida de suas crianças com atividades estruturadas e organizadas – esportes, arte, dança, escolas pré-acadêmicas –, de modo a prepará-las para uma vida de sucesso. A vida dessas crianças incluem pouco tempo para o brincar livre e para o relaxamento, o que é preocupante para o seu desenvolvimento futuro. Outros pais e educadores preocupam-se com a atração das crianças para jogos de guerra ou brincadeiras de super-heróis. Há uma necessidade primordial de preocupar-se com a agressividade e o comportamento hostil, mas o banimento da brincadeira de super-heróis da sala de aula foi baseado em percepções e relatos bizarros, e não em pesquisas empíricas.6  

Concluindo, há muitas implicações de pesquisas sobre o brincar que se relacionam diretamente com o desenvolvimento da criança e com políticas sociais. Algumas dessas implicações incluem a crescente preocupação com obesidade e necessidade de brincadeiras físicas, oportunidades para explorar os mundos físico e natural e a criatividade, atitudes dos pais e educadores sobre o lugar do brincar na vida da criança, investigação das relações entre os currículos da educação na primeira infância baseados no brincar e o futuro desempenho obtido na escola, e a regulação curricular pelos órgãos governamentais. Mas, por fim, devemos lembrar o grande prazer das crianças ao brincar e o papel central que esse comportamento tem em sua vida. Deixemos as crianças brincar!   

Referências

  1. Parten MB. Social participation among pre-school children. Journal of Abnormal and Social Psychology 1932;27(3):243-269
  2. Piaget J. Play, Dreams, and Imitation. Gattegno C, .Hodgson FM, trans. New York, NY: W.W.Norton; 1962.
  3. Smilansky S. The Effects of Sociodramatic Play on Disadvantaged Preschool Children. New York, NY: Wiley; 1968.
  4. Rubin KH., Maioni TL, Hornung, M. Free play behaviors in middle and lower class preschoolers: Parten and Piaget revisited. Child Development 1976;47(2): 414-419.
  5. Rubin KH., Watson KS, Jambor TW. Free play behaviors in preschool and kindergarten children. Child Development 1978;49(2): 534-536.
  6. Parsons A, Howe N. Superhero toys and boys' physically active and imaginative play. Journal of Research in Childhood Education 2006;20(4):287-300.

Para citar este artigo:

Howe N. Comentários sobre Pellegrini e Smith e Hirsh-Pasek e Golinkoff . Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Smith PK, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/brincar/segundo-especialistas/comentarios-sobre-pellegrini-e-smith-e-hirsh-pasek-e-golinkoff. Publicado: Fevereiro 2009 (Inglês). Consultado em 29 de março de 2024.

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