Prevenção precoce de distúrbios de aprendizagem: comentários sobre Lyytinen e Erskine, e Fuchs


Queensland University of Technology, Brisbane, Austrália
(Inglês). Tradução: dezembro 2011

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Introdução

A identificação e a prevenção de distúrbios de aprendizagem e a intervenção subsequente são objetivos primordiais para aqueles que se ocupam com o desenvolvimento na primeira infância. Sabe-se que dificuldades de aprendizagem conduzem a taxas altas de doença mental;1 problemas sociais e emocionais;2 problemas comportamentais na escola3 e incremento da população em nosso sistema carcerário.4,5 O insucesso na aprendizagem inicial de leitura tem alta correlação com fracasso escolar e comportamento antissocial posterior.5,6 Os artigos apresentados por Lyytinen e Erskine, e por Fuchs são representações valiosas da pesquisa empírica atual nas duas áreas fundamentais do desenvolvimento, tanto o início da alfabetização quanto a matemática. 

Pesquisas e conclusões

Em seu panorama sobre identificação e prevenção precoces de dificuldades em leitura, Lyytinen e Erskine destacam a importante questão das dificuldades de aprendizagem não resolvidas e da falta de motivação subsequente como resultado do fracasso. Sem tratamento adequado e eficaz, apenas uma minoria das crianças que têm dificuldades de leitura alcança níveis satisfatórios como leitores. É imperativo, portanto, compreender, planejar e avaliar as melhores abordagens para ajudar essas crianças.

As autoras chamam nossa atenção para dificuldades associadas a ortografias “regulares” e “irregulares”. Trata-se de uma consideração importante quando tentamos comparar níveis de alfabetização em diferentes contextos. Em contraste com os 6% e 3% citados nesse artigo, até 15% das crianças australianas ainda são reprovadas em testes nacionais de leitura, não obstante o apoio do acompanhamento recebido.7

A questão referente à influência genética é oportuna e precisa ser enfatizada na literatura atual sobre medidas eficazes de triagem.8 É assinalado também que as crianças que apresentam os problemas mais persistentes de leitura são aquelas que têm antecedentes familiares de dislexia.

As duas questões de pesquisa propostas são como identificar o mais cedo possível quem precisa de ajuda, e a natureza efetiva da intervenção. 

Embora os autores reconheçam todos os indicadores precoces de dificuldades de leitura – entre os quais as habilidades fonológicas e de linguagem receptiva e expressiva – parecem ter se concentrado no conhecimento das letras como o único preditor, com base no argumento de que é um indicador confiável e de fácil utilização. A nomeação rápida também é mencionada, mas não está claro no texto se isso se refere à nomeação rápida de códigos (letras ou números) ou de objetos. Códigos são preditores melhores e predizem também a compreensão posterior da leitura, mais do que a aquisição em si mesma. Eu argumentaria que o conhecimento do alfabeto é influenciado pela dinâmica “natureza” versus “criação” e, se supusermos que as influências familiares são fundamentais, deveríamos concentrar-nos nas habilidades associadas à incidência familiar, isto é, fonologia e vocabulário.8,9  

Jogos eletrônicos que promovem as relações letras-sons são uma forma de prática ideal, e certamente são motivadores e têm boa relação custo-benefício, mas crianças que têm dificuldades de leitura herdadas e potencialmente graves precisam de intervenções muito mais explícitas do que aquelas propostas neste artigo. A maioria das crianças precisará de instrução em percepção fonológica (percepção da estrutura de sons das palavras, por exemplo, rimas), antes de receber instruções em fonemas (relação entre sons e letras). Este ponto é abordado na seção sobre implicações: “Crianças – especialmente aquelas cujos antecedentes familiares indicam a possibilidade de risco de insucesso em leitura – devem receber atenção quanto ao desenvolvimento da linguagem desde os dois anos de idade.” Será que esta área deveria ser expandida e incluir medidas relevantes de triagem quanto ao desenvolvimento de linguagem aos dois anos de idade? Byrne10 assinala que crianças que são mais lentas no domínio de conhecimentos e conceitos básicos para a alfabetização necessitam mais em todos os aspectos – mais instrução explícita, mais oportunidades de prática e mais assistência em geral: são necessárias abordagens e formas de instrução diferenciadas. 

Tal como ocorre com a alfabetização, a competência reduzida em matemática está relacionada a dificuldades na escola e no trabalho ao longo da vida. Fuchs apresenta os componentes de combinações numéricas e de problemas formulados com palavras e de que forma essas habilidades podem contribuir com a incapacidade matemática. Inclui instrução conceitual e exercício/prática, um conceito importante que frequentemente é negligenciado no ensino de habilidades matemáticas básicas. Fuchs enfatiza também a necessidade de intervenção precoce versus instrução remediativa em séries posteriores. Novamente, a intervenção precoce minimiza os atributos associados ao insucesso, como baixa autoestima e problemas comportamentais relacionados a ele. 

A última pesquisa relatada é muito instigante no sentido de que uma combinação de abordagens produz resultados melhores, utilizando-se computadores para promover exercício e prática, em combinação com instrução conceitual explícita. É excessivamente frequente a utilização de computadores de forma irresponsável, sem a sustentação oferecida pelo ensino explícito. 

As estratégias metacognitivas relatadas também são admiráveis e, mais uma vez, esta é uma área que deve ser combinada com exercício e prática no ensino de matemática. A prática de planejamento e reflexão, juntamente com participação ativa no processo de aprendizagem e o ensino explícito de conhecimentos conceituais, beneficiam os alunos de três formas: (1) na compreensão e aprendizagem de conceitos; (2) na compreensão dos passos envolvidos na elaboração de uma solução; e (3) em sua capacidade de utilizar e generalizar seu conhecimento para situações novas.11

As estratégias baseadas em esquemas também são promissoras e apóiam-se na utilização de estratégias metacognitivas. Não vejo essas duas estratégias como mutuamente exclusivas. Também foi levada em conta a manutenção no longo prazo, que é uma área frequentemente desconsiderada no campo de intervenções para alunos com dificuldades de aprendizagem. 

Implicações para o desenvolvimento e políticas

A resolução de questões relativas a abordagens otimizadas ao ensino de alfabetização e matemática para crianças em risco é mais do que um problema acadêmico; tem implicações no âmbito nacional e internacional, no que se refere à preparação de professores, sala de aula e família, além de promover o bem-estar acadêmico, emocional e social da criança.

O insucesso inicial em leitura tem alta correlação com o fracasso escolar e com dificuldades comportamentais e socioemocionais posteriores; a leitura é considerada como um fator que diferencia e contribui para contrabalançar desvantagens sociais e/ou econômicas.12 Em princípio, as evidências teóricas, experimentais e clínicas indicam a necessidade de ajudar leitores pouco eficientes a adquirir conhecimento explícito sobre a estrutura fonológica da palavra,13 e isto deveria ser parte de qualquer programa de intervenção com leitores que enfrentam dificuldades.

Quanto à aprendizagem mediada pelo computador, deve-se notar que o desenvolvimento da alfabetização em crianças pequenas envolve mais do que aprender rotinas memorizadas; é um processo dinâmico de pensamento e de linguagem, que inclui resolução de problemas, discussão, reflexão e tomada de decisões.14 A prática é vista frequentemente como um fim em si mesma, uma forma de garantir que os aprendizes memorizem um procedimento ou um fato. Quando isso ocorre, pode prejudicar ou desconsiderar uma aprendizagem construtiva e significativa de alfabetização. A prática do aluno precisa assumir uma forma que faça sentido para a tarefa de alfabetização e que crie maneiras básicas de pensar das quais os alunos se apropriem, de modo que a criança ative esse pensamento para desenvolver novas ideias, e a conduza para problemas reais de leitura, externos à sala de aula.

Os dois artigos abrangem aspectos da aprendizagem multidimensional, que devem ser o foco de intervenções efetivas para as crianças que correm o risco de desenvolver dificuldades de aprendizagem. 

Referências

  1. Klein JD. The National Longitudinal Study on Adolescent Health. Preliminary results: great expectations. JAMA - Journal of the American Medical Association 1997;278(10):864-865.
  2. McCoy AR, Reynolds AJ. Grade retention and school performance: An extended investigation. Journal of School Psychology 1999;37(3):273-298.
  3. Lerner JW. Learning disabilities: theories, diagnosis, and teaching strategies. 8th ed. Boston, Mass: Houghton Mifflin Company; 2000.
  4. Catalano RF, Arthur MW, Hawkins JD, Berglund L, Olson JJ. Comprehensive community and school-based interventions to prevent antisocial behaviour. In: Loeber R, Farrington DP, eds. Serious and violent juvenile offenders: Risk factors and successful interventions. Thousand Oaks, Calif: Sage Publications; 1998:248-283.
  5. Hawkins JD, Herrenkohl T, Farrington DP, Brewer D, Catalano RF, Harachi TW. A review of predictors of youth violence. In: Loeber R, Farrington DP, eds. Serious and violent juvenile offenders: Risk factors and successful interventions. Thousand Oaks, Calif: Sage Publications; 1998:106-146.
  6. Pressley M. Reading instruction that works: the case for balanced teaching. New York, NY: Guilford Press; 1998.
  7. Louden W, Chan L, Elkins J, Greaves D, House H, Milton M, Nichols, Rivalland J, Rohl M, van Kraayenoord C. Mapping the territory - primary students with learning difficulties: literacy and numeracy. Canberra City, Australia: Department of Education, Science and training, Australian Government; 2000. Available at: http://www.dest.gov.au/sectors/school_education/publications_resources/profiles/mapping_territory_primary_students_difficulties.htm#publication. Accessed February 7, 2006.
  8. Hindson B, Byrne B, Fielding-Barnsley R, Newman C, Hine DW, Shankweiler D. Assessment and early instruction of preschool children at risk for reading disability. Journal of Educational Psychology 2005;97(4):687-704.
  9. Heath SM, Hogben JH. Cost-effective prediction of reading difficulties. Journal of Speech, Language, and Hearing Research 2004;47(4):751-765.
  10. Byrne B. The process of learning to read: A framework for integrating research and educational practice. In: Stainthorp R, Tomlinson P, eds. Learning and teaching reading. Leicester, United Kingdom: The British Psychological Society; 2002:29-44.
  11. Ashman AF, Conway RNF. An introduction to cognitive education: Theory and applications. London, United Kingdom: Routledge; 1997.
  12. Snow CE, Burns SM, Griffin P, eds. Preventing reading difficulties in young children. Washington, DC: National Academy Press; 1998. Available at: http://fermat.nap.edu/books/030906418X/html/index.html. Accessed February 7, 2006.
  13. Blachman BA. Phonological awareness. In: Kamil ML, Mosenthal PB, Pearson PD, Barr R, eds. Handbook of reading research. Vol 3. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates; 2000:483-502.
  14. Kamhi AG, Allen MM, Catts HW. The role of the speech-language pathologist in improving decoding skills. Seminars in Speech and Language 2001;22(3):175-183.

Para citar este artigo:

Fielding-Barnsley R. Prevenção precoce de distúrbios de aprendizagem: comentários sobre Lyytinen e Erskine, e Fuchs. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/disturbios-de-aprendizagem/segundo-especialistas/prevencao-precoce-de-disturbios-de-aprendizagem. Publicado: Março 2006 (Inglês). Consultado em 23 de abril de 2024.

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